A criança e a apropriação da escrita alfabética
De acordo com Vygotsky (1934/2002), em seu livro A formação social da mente, as relações entre o sujeito e os objetos do conhecimento são sempre mediadas. Vygotsky faz uma analogia entre o uso de instrumentos materiais e os signos. Ao utilizar um dado instrumento, o homem interfere na natureza transformando-a e, assim, torna-se capaz de desenvolver sua relação com o meio num processo histórico-cultural. De forma análoga, assim como realiza essa transformação pelo uso de instrumentos concretos, o homem emprega signos que são instrumentos da atividade psicológica, que, por sua vez, o auxiliam em atividades como lembrar, relatar e comparar. Os signos são, portanto, marcas externas que auxiliam o homem em tarefas que exigem memória ou atenção, podendo referir-se a elementos ausentes no espaço e no tempo presente, ampliando a capacidade de ação do homem sobre o mundo.
Vários
tipos de signos são utilizados para melhorar nossa capacidade de armazenamento
de informações e de controle de ação psicológica. Estes mediadores aumentam a
capacidade de atenção e de memória e permitem maior controle voluntário do
sujeito sobre sua atividade. Assim, os instrumentos e os signos são elementos
fundamentais para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
A
mediação, portanto, possibilitada pelo uso de signos e é um processo essencial
para tornar possíveis atividades psicológicas voluntárias, intencionais,
controladas pelo próprio indivíduo. Ao longo do desenvolvimento humano, os
processos de mediação sofreram transformações, ocorrendo uma mudança
qualitativa no uso dos signos.
Assim,
se, inicialmente, o indivíduo necessita de marcas externas, com seu
desenvolvimento promovido pela mediação, ele passa a utilizar os signos
internos, ou seja, representações mentais que substituem os objetos do mundo
real. O homem passa, assim, a operar mentalmente sobre o mundo por meio de um
processo de representação mental. Isto significa que o homem torna-se capaz de
estabelecer relações mentais na ausência das próprias coisas e, assim, fazer
planos, ter intenções, lidar com representações que substituem o real. Tais
representações precisam ser articuladas em sistemas simbólicos, ou seja, signos
compartilhados pelo conjunto dos membros do grupo social que permitam a
comunicação entre os indivíduos. Assim, o sistema simbólico é socialmente dado.
É
o grupo cultural no qual o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de
perceber e organizar o real, e vão constituir os instrumentos psicológicos que
fazem a mediação entre o indivíduo e o mundo. Esse sistema simbólico passa a
mediar processos mentais superiores: ações conscientemente controladas, atenção
voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato e comportamento intencional.
Neste sentido, a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos
humanos. Inicialmente, o _desenvolvimento da linguagem foi impulsionado pela
necessidade de comunicação. Para efetivar esta comunicação, era necessário que
a mesma fosse feita por meio de signos compreensíveis e capazes de traduzir
ideias, sentimentos, vontades e pensamentos. Para isto o mundo da experiência
vivida tinha que ser simplificado e generalizado para ser traduzido por signos
que pudessem ser traduzidos a outros.
Sendo
assim, desde bebê, quando a criança se utiliza dos gestos para estabelecer uma
comunicação, ela já iniciou de certa forma, seu processo de apropriação da
linguagem escrita, que, progressiva e lentamente, passará do gesto inicial para
o gesto fixado por meio dos rabiscos e desenhos até chegar aos signos escritos.
Nessa
história há dois momentos que ligam o gesto à escrita: os primeiros rabiscos
feitos pelas crianças e o jogo. Com relação aos primeiros rabiscos, Vygotsky
(1935/2002) os considera mais gestos do que desenhos propriamente ditos. Para
ele, inicialmente, a criança, ao utilizar um lápis, registra um sinal, no
papel, que é uma prolongação de um gesto. Por este motivo, ao
tentar desenhar um objeto complexo, acaba focalizando apenas suas
características mais evidentes, suas propriedades mais gerais, como, por
exemplo, formas arredondadas, ou, quando se trata de conceitos, a criança marca
no papel algum gesto que possa indicá-los. Uma criança que pretende representar
uma corrida indica com os dedos os movimentos; os pontos e os riscos traçados
no papel são para criança representações do ato de correr.
Quando quer desenhar um salto, faz
movimentos de saltar com a mão e deixa sinais deste movimento no papel.
(VYGOTSKY,1935/2002, p. 187)
O outro elemento que liga o gesto ao
processo de desenvolvimento da capacidade de representação, ressaltado por
Vygotsky (1935/2002), é o jogo. Para ele, no jogo de faz de conta, a criança se
utiliza de um objeto para representar outro, de tal forma que este objeto se
torna um signo. Trata-se dos jogos simbólicos. Quando se inicia sua capacidade
de brincar de faz de conta, a criança atribui ao objeto àquilo que ele
representa. O jogo simbólico torna-se assim uma forma de linguagem que se
utiliza de gestos para atribuir significados diferentes a um objeto usado.
Uma trouxa de retalho de tecido ou um
pedaço de madeira converte em um bebê durante o jogo porque permitem fazer os
mesmos gestos que representam a alimentação e os cuidados para com as crianças
pequenas. É o próprio movimento da criança, seu próprio gesto, que atribuem sua
função de signo, ao objeto e lhe conferem sentido. Toda atividade simbólica
representacional está plena desses gestos indicadores. Para a criança, um
pedaço de madeira transforma-se em um cavalo porque pode colocá-lo entre suas
pernas e fazer com ele o gesto que o identificará, neste caso, como um cavalo.
(VYGOTSKY, 1935/2002, 187-188).
Neste processo, com ajuda da fala, o
objeto assume a função de signo. Deste modo, este objeto torna-se um simbolismo
de segunda ordem. Da mesma forma a escrita é um simbolismo de segunda ordem,
pois é constituída por um sistema de signos que representam os sons e as
palavras da linguagem oral, que, por sua vez, representam objetos, ações e
fenômenos reais.
Como vimos, o processo do
desenvolvimento da representação simbólica é fundamental para a linguagem
escrita. De acordo com Vygotsky (1935/2002, p. 191)
“[...]
a representação simbólica no jogo, é essencialmente uma forma particular de
linguagem num estágio precoce que leva diretamente à linguagem escrita.”
Assim, para Vygotsky (1935/2002), o
processo de desenvolvimento da linguagem escrita envolve esta compreensão, de
que as palavras podem ser “desenhadas”. Contudo, para se chegar a esta
compreensão, há um longo caminho a ser percorrido pela criança. Este caminho
foi investigado por Luria (1929/1988), teórico que deu prosseguimento aos
estudos de Vygotsky.
Nos estudos destes dois importantes
teóricos encontra-se a base fundamental que explica como os processos psíquicos
da linguagem e escrita se desenvolvem nas crianças antes mesmo delas entrarem
na escola.
Artigo > Prof. Marcos L Souza
Pedagogo e Historiador
Pós-graduado em Educação Infantil –
Alfabetização e Letramento - Educação Musical e Artes.
Mestre em Teologia
Mestrando em Ciências da Educação
Pesquisador e Escritor
LIPITIPI®. Artigo publicado por Gi Carvalho em . Atividades pedagógicas para turmas de 1° ao 5° ano Atividades e planos de aula para professores do Fundamental I. Classificação: 5
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